Um dos robôs usados pelo TCU, a Alice lê todos os
editais publicados no dia e avisa quais possuem indício de irregularidade.
(Foto: Divulgação/TCU)
Os auditores do Tribunal de
Contas da União recebem pontualmente às 19h um e-mail de Alice. São os resumos das centenas de contratações federais publicadas
naquele dia. Prestativa, ela já indica quais podem conter irregularidades.
Diferente do que seria de esperar, Alice não é um servidor público
megaprodutivo. Ela é um robô, usado pelo TCU para caçar fraudes e outras
irregularidades em licitações.
“Esse tipo de trabalho
poderia ser feito por humanos, mas seria muito custoso porque são, em média,
200 editais por dia”, diz Wesley Vaz Silva, diretor da Secretaria de
Fiscalização de Tecnologia da Informação do TCU, ao G1.
“A gente precisa saber o que está
acontecendo, saber o que está sendo contratado, saber que obras estão sendo
feitas, saber como a política pública está sendo contratada.”
Alice trabalha ainda com Sofia e Monica,
outras duas companheiras robóticas que como ela não têm braços, pernas ou
corpos de metal. São um conjunto de linhas de código que “vivem” nos sistemas
do TCU. Elas “leem” o grande volume de texto produzido e analisado pelo
tribunal para encontrar incongruências, organizar melhor as informações e apontar
correlações.
As três robôs já são usadas
por servidores da Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal, Polícia
Federal e tribunais de contas dos Estados. Depois de dicas delas, licitações com
falhas já foram canceladas e compras públicas enviesadas tiveram que ser
refeitas.
Alice
No ar desde fevereiro de 2017,
Alice é um acrônimo para Análise de
Licitações e Editais. O robozinho lê editais de licitações e atas de
registro de preços publicados pela administração federal, além de alguns órgãos
públicos estaduais e estatais. Para isso, coleta informações do Diário Oficial
e do Comprasnet, o sistema que registra as compras governamentais. A partir
daí, ela elabora uma prévia do documento e aponta aos auditores se há indícios
de desvios. Verifica, por exemplo:
·
se um edital exige dos
participantes certidões que o TCU não considera pré-requisitos, como documentos
de regularidade junto ao CREA;
·
se a licitação está prestes a
entregar uma contratação para alguma empresa impedida de contratar junto à
administração pública;
·
se as empresas concorrentes
têm sócios em comum.
“Esses dados não são em si
irregularidades, mas indícios que apontam para o auditor olhar o edital de
maneira mais detalhada”, diz Silva.
A auditora federal Tania Lopes
Pimenta Cioato foi uma das primeiras a ter contato com Alice, ainda em sua fase
de piloto, em novembro de 2016. "Eu recebo por dia entre 30 e 40 editais e
entre 15 e 20 atas”, diz.
Marcelo Rodrigo Braz, o
titular da Secretaria de Fiscalização de Tecnologia da Informação do TCU, responsável
pelos robôs, diz que o principal trunfo é "evitar que a irregularidade
ocorra".
"O maior ganho que a
gente tem é que os órgãos retiram, anulam ou cancelam os editais e fazem outro
da forma correta", diz Braz.
A Alice já ajudou auditores a
frear contratações públicas irregulares pelo país. Em Goiás, dois editais de
uma obra foram suspensos no ano passado. Em Roraima, o órgão público foi
obrigado a refazer o edital. Ela também já constatou editais irregulares do Itamaraty
e de reformas com recursos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan).
Há também exemplos dos
parceiros do TCU. O Ministério Público da Paraíba começou a ter contato com as
plataformas em junho de 2017.
“A gente usa a Alice como
indicador. Ele cruza os editais diários e identifica a potencialidade”, diz
Octávio Celso Gondim Paulo Neto, promotor do MP-PB.
Sofia e Monica
Enquanto Alice faz sugestões
do que investigar, Sofia não é tão contida. Ela aponta erros nos textos dos
auditores, sugere correlações de informações e indica outras fontes de
referência.
“A Sofia é um robozinho que vai no texto do auditor e tenta
achar algo que pode ser alguma coisinha que ele deixou passar ou alguma
informação que ele devia saber”, comenta o diretor sobre o trabalho do robô,
cujo nome é uma abreviação para Sistema de Orientação sobre Fatos e Indícios
para o Auditor.
Por exemplo: em um texto que
propõe punição a uma empresa, ela pode indicar se há sanções contra a companhia
ou se ela consta em processos no tribunal. Ou ainda apontar se a empresa possui
outros contratos com a administração pública.
"A Sofia é um botãozinho
no Word", explica Cioato. Ao apertá-lo, ela lista informações associadas
aos números de CNPJ, do processo e de CPF incluídos no texto. Diz até se algum
dos envolvidos já morreu.
Trabalhando há 10 anos no TCU,
a auditora diz que os dois robozinhos ajudam. “Se fosse alguma burocracia, mais
um processo obrigatório de trabalho, alguém poderia dizer que dificulta, mas
não. Facilita muito”, diz ela.
Já Monica é um painel que mostra todas as compras públicas,
incluindo as que a Alice deixa passar, como contratações diretas e aquelas
feitas por meio de inexigibilidade de licitação (quando um serviço ou produto
possui apenas um fornecedor).
‘Cérebro’
Alice, Sofia e Monica são interfaces
de um sistema maior, chamado de Laboratório
de Informações de Controle (Labcontas). Ele funciona como o “cérebro”
das robôs e é de onde elas tiram as informações em que baseiam suas sugestões e
pitacos. Ele reúne 77 bases de dados, como:
·
Registro de contas governamentais;
·
Lista de políticas públicas;
·
Composição societária de empresas;
·
Contratações que possuem recursos públicos;
·
Servidores públicos processados por instâncias de
controle.
“No Labconta, essas
informações estão colocadas em um local único e de forma integrada. Isso nos
permite ver em perspectiva o impacto de uma coisa sobre a outra”, explica
Silva. Além disso, o sistema possui tecnologias que permitem o cruzamento da
informação de uma base com os dados de outra.
É ao Labconta que os
promotores mais recorrem. Extraíram de lá, por exemplo, informações usadas para
identificar no ano passado 320 pessoas que recebiam benefícios indevidos do
Instituto de Previdência do Município de João Pessoa (IMP/JP).
A partir de uma denúncia, o
MP-PB garimpou no sistema dados a partir das matrículas de todos os 5 mil servidores
do órgão. Descobriu que alguns deles não tinham vínculo com o IPM, mas recebiam
contribuições previdenciárias mesmo assim.
“Se a gente fosse fazer isso
na mão, certamente iria enlouquecer”, diz Paulo Neto, promotor do MP-PB. “Eu
acho que esse é o futuro do combate à corrupção.”
Dentro do TCU, o uso do
Labconta é considerado uma revolução. Na área que investiga benefícios
previdenciários e trabalhistas, por exemplo, conseguir dados como o de
aposentadorias era uma maratona que demorava alguns dias. Até quatro meses já
foram consumidos nesse tipo de análise.
"O que mudou foi a
tempestividade. Antes, a gente fazia um trabalho desses a cada dois anos.
Agora, a gente recebe as bases atualizadas mês a mês", diz Rodrigo
Hildebrand, auditor federal do TCU.
A quantidade de dados também
aumentou. Até a implantação do Labcontas, há quatro anos, o TCU analisava com
mais frequência três tipos de benefícios previdenciários: pensão por morte, benefícios
rurais e aposentadoria por idade. O sistema permitiu a análise de todos os 96
benefícios.
Com isso, diz Hildebrand,
conseguem detectar mais facilmente pagamentos irregulares de seguro-defeso (uma
espécie de seguro-desemprego para pescadores artesanais) e de Bolsa Família.
"Na administração
pública, toda informação que é trabalhada está em base de dados. Se o auditor
não tiver acesso a essa informação para que ele possa trabalhar, o trabalho de
auditoria é completamente inviabilizado", diz o secretário Marcelo Rodrigo
Braz.
Futuro
Silva diz que nenhuma das
plataformas estão concluídas e melhorias ainda estão nos planos. A Alice, por
exemplo, ainda deve ganhar habilidade para observar outros detalhes. Os
técnicos chamam isso de “regras”. Hoje a Alice não olha dispensa de licitação,
mas isso já está no radar.
Outras melhorias são tornar os
apontamentos do robô mais precisos, incluir mais bases de dados e levar todas
as aplicações a outros órgãos públicos.
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