O mundinho corporativo é novidadeiro. De tempos em tempos divisa inovações, ou pseudoinovações, para movimentar os negócios ou manter a charrua nas trilhas. Vale mais a ficção que o fato. O assunto do momento atende pela alcunha de Big Data. Como noutras febres, trata-se de conceito incerto e vago, mas capaz de evocar sonhos de grandeza, que é, afinal, o que importa.
O conceito de Big Data pode ser associado à gigantesca quantidade de dados gerados pela nossa vidinha digital. A cada instante, bancos, seguradoras, varejistas e mídias sociais alimentam zilhões de bits & bytes sobre suas transações em seus bancos de dados. O acervo resultante é por si só inerte e inútil. Entretanto, se explorado com apoio de técnicas estatísticas apropriadas, pode ajudar a identificar correlações, decifrar comportamentos e, teoricamente, apontar tendências.
Grandes empresas investem pesadamente na área. Bancos aperfeiçoam métodos para detectar fraudes, varejistas procuram entender variações nas vendas e fabricantes buscam harmonizar oferta e demanda. Extrair ouro das montanhas de dados não é tarefa trivial. No entanto, o custo de armazenagem caiu, a velocidade de processamento cresceu e a capacidade analítica vem se desenvolvendo.
Sonhos e pesadelos vicejam. Yuval Noah Harari, historiador israelense, cutucou recentemente os leitores do jornal britânico Financial Times com um argumento instigante, ainda que falacioso. Segundo o autor, durante parte considerável da história o homem foi dominado pela autoridade divina e o poder vinha dos deuses, que definiam a vida, o destino e a morte. Com o surgimento do humanismo, a autoridade migrou gradualmente das divindades para as pessoas e surgiu o livre-arbítrio.
Em nossos dias, provoca Harari, uma nova mudança está em curso, promovida por gurus da tecnologia. A nova narrativa enxerga tudo, todos e todas como parte de um grande fluxo universal de dados. Atribui a autoridade a algoritmos, como se fôssemos pequenas unidades de processamento, parte de um sistema gigantesco que ninguém de fato consegue entender. Talvez nem precise entender, pois basta manter o fluxo, recebendo e postando textos e imagens.
O novo credo atende pelo nome de Dataism. Não confundir com Dadaísmo, um movimento cultural do início do século XX, bem mais interessante que o atual. Segundo Harari, os dataístas creem que, em algum momento, softwares e algoritmos, apoiados em gigantescos bancos de dados, serão capazes de entender e prever o comportamento humano melhor que os próprios seres humanos.
Tais sistemas encontram-se em sua infância, mapeando preferências de livros, restaurantes, destinos turísticos e irritando cidadãos com suas insistentes sugestões. Supõe-se que, no futuro, serão capazes de indicar com precisão cônjuges e candidatos a cargos públicos. Nesse momento, aponta Harari, práticas como eleições se tornarão tão obsoletas quanto a dança da chuva. O sistema nem precisa ser perfeito, basta se mostrar superior à média das decisões das pessoas, o que, convenhamos, pode ser um nível relativamente simples de superar. Em suma, se seguirmos o raciocínio à risca, no futuro o livre-arbítrio será anacrônico.
Essa conjectura pode provocar um choque em quem ainda crê no humanismo, mas não deve gerar pânico. Primeiro, porque a análise de dados não estruturados, como aqueles vindos das mídias sociais, é difícil e demorada. Segundo, falta capacidade para unir conhecimento de negócios ao domínio de técnicas estatísticas de análise. Por enquanto, há enormes dificuldades para explicar o passado. Prever o futuro é, na maioria dos casos, ainda uma miragem.
Além disso, há amplo histórico de grandes ideias espalhafatosas que prometem revoluções e entregam decepções. Elas seguem um ciclo conhecido: vicejam em um gueto propício, ganham adeptos e evangelistas da causa. Com o sucesso inicial, surgem gurus e séquitos de deslumbrados. A mídia logo descobre a dissemina a novidade, que alcança popularidade e arrebanha seguidores. O ciclo atinge o ápice, gera negócios para empresas, consultores e autores de livros. Desse ponto em diante, vêm o declínio e o esquecimento, até que nova onda surja no horizonte. Recomenda-se, portanto, tranquilidade. O livre-arbítrio pode ser sempre ameaçado, mas as notícias sobre a sua morte iminente são exageradas.
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